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SÓ O SERVIÇO POR AMOR ME LEVA À PLENITUDE HUMANA

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Mc 9, 30-37

Dar-se aos demais como objetivo último, sem esperar nada em troca, é a essência do Evangelho. Para chegar a essa atitude, devo tomar consciência de que aí se encontra a plenitude humana.

 

Contexto

De novo saltamos a transfiguração e a cura de um menino a quem os discípulos não puderam curar. Passamos o segundo anúncio da Paixão. Tem a sua lógica, porque o tema é idêntico e pode levar-nos a uma melhor compreensão do ensinamento do passado domingo. Jesus atravessa a Galileia a caminho de Jerusalém, onde o espera a Cruz. O Evangelho diz-nos expressamente que queria passar despercebido, porque agora está dedicado à instrução dos seus discípulos. Este novo ensinamento tem como centro a cruz.


Explicação

Este segundo anúncio da paixão é praticamente a repetição do primeiro. Não deixa espaço para dúvidas o que Jesus quer transmitir. Os discípulos continuam sem compreender, apesar de que já no domingo passado nos dizia que o explicava "com toda a clareza». Se lhes dava medo perguntar é porque intuíam algo de que não gostavam. Essa indicação mostra-nos que mais do que não compreender, eles não queriam entender, porque a morte ignominiosa de Jesus significava o fim das suas pretensões messiânicas. Até que não aconteça a experiência pascal, continuaram sem entender uma palavra da mensagem.

O que discutíeis pelo caminho? Jesus quer que deixem vir à luz os seus sentimentos íntimos, mas os discípulos guardam silencia porque sabem que não estão de acordo com o que Jesus lhes ensina. Entre eles continua a dinâmica de busca do domínio e do poder. Temos de recordar que naquela cultura a classe das pessoas era tomada muito a peito, e era a chave de todas as relações sociais.

Chama aos discípulos. Se estão juntos em casa, porque tem de os chamar? (o verbo grego 'phoneo' indica uma chamada com um tom de voz mais forte que o normal). Clara indicação de que se trata de uma chamada teológica ao seguimento, não de uma chamada para que se reúnam em redor dele, que se tinha sentado.

Quem quiser ser o primeiro que seja o último e o servo de todos. É exatamente a mesma mensagem do domingo passado. E a encontraremos de novo no episódio da mãe dos Zebedeus, pedindo a Jesus os primeiros lugares para os seus filhos. Não que Jesus nos peça para que não queiramos ser mais, mas, pelo contrário, anima-nos a sermos os primeiros, por um caminho muito distinto ao que nós apontamos. Devemos aspirar a sermos todos, não apenas "primeiros", mas "únicos". Nessa possibilidade, radica a grandeza de todo o ser humano. Mas essa grandeza está no nosso verdadeiro ser.

Deus não quer que renunciemos seja ao que for. Por vezes demos aos de fora a impressão de que para que Ele seja grande, Deus quer-nos inferiorizar. Jesus diz: Queres ser o primeiro? Muito bem. Oxalá que todos estivessem nessa dinâmica! Mas não o conseguirás pisando os demais, senão colocando-te ao seu serviço. Quanto mais servires, mais senhor serás. Quanto menos dominares, maior será a tua humanidade. A sabedoria me fará ver que o bem espiritual (o meu e o do outro) está acima do biológico. A partir desta perspetiva, nunca magoarei o outro procurando um interesse pessoal egoísta à custa dos demais.

Aproximando-se a um menino colocou-o no meio... A imagem do miúdo abraçado por Jesus está muito longe de ser uma imagem bucólica. Não é fácil descobrir o seu sentido e a conexão com o que se antecede. Para isso temos de clarificar algumas coisas. No tempo de Jesus, as crianças não gozavam de nenhuma consideração; eram simplesmente instrumentos dos adultos que os utilizavam como pequenos escravos. Por outro lado, a palavra 'paidion' que é empregue no texto é um diminutivo de 'pais', que significa tanto criança como criado e escravo. Nalgum códice é posto com artigo determinado, que indicaria o menino, não um qualquer. Seria o pequeno escravo, o estafeta ou miúdo da loja. O último na escala dos empregados.

Tampouco se trata de um menino digno de lástima, mas de um rapaz que já pode crescer na vida. No episódio da filha de Jairo, Marcos chama, por quatro vezes, 'paidion' à menina de doze anos. No contexto da narrativa, seria o moço de recados da casa onde estavam ou que o grupo tinha à sua disposição. Aqui descobrimos a relação com o texto anterior. O menino seria o último dos que se dedicavam a servir.

Aquele que acolhe a um menino como este, é a mim que acolhe. Não se trata de manifestar carinho ou proteção ao débil, mas de identificar-se com ele. Ao abraçá-lo, Jesus está a manifestar que ele e o rapaz formam uma unidade, e que se quiserem estar próximos a ele, têm de identificar-se com o insignificante moço de recados, quer dizer, tornarem-se servos de todos. Um dos significados do verbo grego é preferir. Seria: o que prefere ser como este miúdo é a mim que prefere. Aquele que não conta, que é utilizado por todos, mas que serve aos demais, esse é o que entendeu a mensagem de Jesus e o segue de verdade.

E o que me acolhe, acolhe àquele que me enviou. Esta passagem é muito importante: acolher a Jesus é acolher ao Pai. Identificar-se com Jesus é identificar-se com Deus. A essência da mensagem de Jesus consiste nesta identificação. Repito, a mensagem não consiste em que devemos acolher e proteger aos débeis. Trata-se de identificarmo-nos com o mais pequeno dos escravos que servem sem que sejam reconhecidos ou pagos por isso. Essa atitude é a que Jesus vive, refletindo a atitude de Deus para com todos.


Aplicação

Após dois mil anos, continuamos sem entender. E além disso, como os discípulos, preferimos que não nos tornem isto claro; porque intuímos que não corresponderá às nossas expectativas. Nem como indivíduos nem como grupo (comunidade ou Igreja) aceitamos a mensagem do Evangelho. A maioria de nós continua a lutar pelo poder que nos permita utilizar aos demais em benefício próprio. Até o recém-nascido ou o avô tentam que os demais estejam ao seu serviço. Continua sendo uma pequena minoria a que coloca a sua vida ao serviço dos demais e os ajuda a viver sem esperar nada em troca.

Não devemos entender mal a mensagem. Há duas maneiras de servir: uma é a do que voluntariamente se submete ao poderoso para conseguir o seu favor e aproveitar de alguma maneira o seu poderio. Isto não é serviço mas escravidão, e longe de tornar uma pessoa mais humana, a anula e menospreza. Esta atitude, que se vendeu como cristã, é muito criticada por Jesus. À volta de todo o poder despótico pulula sempre um bando de aduladores que tornam o despotismo possível. O Evangelho não fala disto. A diaconia que se desenrolou na Igreja primitiva significava, na sua aceção civil, 'servir à mesa'. Na aceção cristã indicava o serviço aos mais necessitados, feito pelos que não tinham nenhuma obrigação de o fazer. Este serviço liberta e humaniza ao que o presta e ao que o recebe.

Ora bem, se te fazes escravo e servo por amor, não podes queixar-te de que te tratem como tal. Costumamos sentir-nos bem com a entrega, enquanto esta não sair da programação e do controle. Quando o outro me começa a exigir, salto como uma hiena e recordo-lhe que não tem nenhum direito, que o que faço com ele é 'caridade'. Com frequência seguimos a estratégia de nos tornarmos escravos para nos sentirmos superiores aos demais. Também pregamos que a Cruz foi uma estratégia de Jesus para entrar na glória. Não queremos compreender que o serviço é a meta e a plenitude.

Outra advertência importante. Não se trata de renunciar a nada ou de me sacrificar pelos demais. A partir desta perspetiva a mensagem de Jesus será aceite como um programa, não como consequência de uma 'sabedoria' que me capacita para descobrir o que é o melhor para mim. O seguimento de Jesus tem que ser consequência de uma eleição pessoal. A aceitação de normas ou preceitos só porque vêm de Deus, não me leva à verdadeira religiosidade mas à busca de seguranças que contrariem os meus medos.

 

Meditação-contemplação


Jesus identifica-se com o servo mais insignificante.

Devemos estar muito atentos a esta lição.

Na medida em que servir aos demais sem nada esperar em troca,

Nessa medida me estarei a aproximar ao ideal cristão.

 

Ainda que seja muito frequente entre nós,

O confiar nas obras para esperar uma glória maior

Não deixa de ser uma visão raquítica de Deus

E uma visão raquítica do ser humano.

 

Se me dou aos outros até me consumir,

Onde colocarei os adornos (a glória) que pretendo alcançar?

Se estou a pensar em mim mesmo, quando me dou ao outro,

Que tipo de entrega estou a levar a cabo?

 

Fray Marcos

(trad. Rui Vasconcelos)

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