LUCIDEZ E FIDELIDADE
José Antonio PagolaNão foi fácil para Jesus manter-se fiel à missão recebida do Pai sem se desviar da sua vontade. Os evangelhos recordam a sua luta interior e as provações que teve de superar, juntamente com os seus discípulos, ao longo da sua vida.
Os mestres da lei perseguiam-no com perguntas capciosas para o submeterem à ordem estabelecida, esquecendo-se do Espírito, que o incitava a curar mesmo ao sábado. Os fariseus pediram-lhe que deixasse de aliviar o sofrimento das pessoas e que realizasse algo mais espetacular, «um sinal do céu» de proporções cósmicas, com o qual Deus o confirmaria diante de todos.
As tentações chegaram até ele até dos seus discípulos mais amados. Santiago e João pediam-lhe que esquecesse os últimos e pensasse mais em reservar-lhes os cargos de maior honra e poder. Pedro repreende-o porque coloca a sua vida em risco e pode acabar executado.
Sufria Jesus e sufriam também os seus discípulos. Nada era fácil nem claro. Todos tinham de procurar a vontade do Pai, superando provações e tentações de vários tipos. Poucas horas antes de ser preso pelas forças de segurança do templo, Jesus diz-lhes: «Vós sois os que perseverastes comigo nas minhas provações» (Lucas 22,28).
O episódio conhecido como «tentações de Jesus» é um relato em que se reagrupam e resumem as tentações que teve de ultrapassar Jesus ao longo da sua vida. Embora viva movido pelo Espírito recebido no Jordão, nada o dispensa de ser atraído por falsas formas de messianismo.
Deverá ele pensar no seu próprio interesse ou ouvir a vontade do Pai? Deverá impor o seu poder como Messias ou colocar-se ao serviço daqueles que dele necessitam? Deverá ele procurar a sua própria glória ou manifestar a compaixão de Deus para com aqueles que sofrem? Deveria evitar riscos e evitar a crucificação ou dedicar-se à sua missão confiando no Pai?
O relato das tentações de Jesus foi recolhido nos evangelhos para alertar os seus seguidores. Devemos estar lúcidos. O Espírito de Jesus está vivo na sua Igreja, mas os cristãos não estão livres de falsear uma e outra vez a nossa identidade, caindo em múltiplas tentações.
Para seguirmos Jesus fielmente devemos identificar as tentações que enfrentam hoje os cristãos: a hierarquia e o povo; os líderes religiosos e fiéis. Uma Igreja que não é consciente das suas tentações rapidamente falsificará a sua identidade e a sua missão. Algo assim não está a acontecer connosco? Não precisamos de mais lucidez e vigilância para não cairmos na infidelidade?
José Antonio Pagola
Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Pérez
Publicado en www.gruposdejesus.com